Friday, December 23, 2011

Choque Cultural

Primeiro: desculpem o sumiço e o total abandono deste blog. Segundo: escrever NÃO é que nem andar de bicicleta. Acredito que eu tenha esquecido completamente como funciona. Mas eu voltei da última visita ao Brasil com a minha orelha doendo de tanto que o povo reclamou do blog. Citando meu amigo Ciro “ESCREVE NA PORRA DO BLOG”.

Então lá vou eu, enferrujada ou não: escrever na porra do blog.


Nas conversas rápidas que tive em São Paulo eu fiquei chocada com a loucura generalizada que envolvem o moletons da Abercombie and Fitch. Todos os adolescentes tem que ter um moleton da Abercombie, a Abercombie que é “meio cara” aqui e “proibitivamente cara” no Brasil. Mas o que acontece se você não tem o tal moleton? “Ah, fica difícil por causa da pressão dos colegas” me explicaram. Eu suspirei fundo e dei graças a Deus que eu não estou mais em idade escolar.


Mas no meu retorno aos EUA eu descobri que nós nunca saímos da idade escolar. Não se você trabalha no meio da moda. Ainda mais se o lugar que você trabalha como no meu caso, é a empresa de roupas mais antiga dos EUA. A primeira coisa que você aprende na Brooks Brothers onde eu trabalho é que eles SÃO os EUA. E com orgulho você começa a recitar: vestimos 38 dos 44 presidentes! Inventamos o blazer azul marinho! Inventamos a camisa social! A segunda coisa que você faz é comprar vinte camisas sociais e tacar fogo em todos os seus jeans e tênis. Desde então eu aprendi todos os nuances que geram discussões animadíssimas na Brooks. Alguém considera: “que tal se o modelo usar um terno corte Fitzgerald e uma gravata de crochê?” e o resto de nós: AH! OH! UH! “Super irônico!!”. Sim. Super. Irônico.


Descobri que existem mil maneiras de ser rebelde ao escolher que gravata vai com que camisa. Desde que você saiba as referências você consegue “ler” as pessoas a sua volta. Eu vou aprendedo as referências e entendendo um pouco mais da pisque americana, mas nada me preparou para a festa de natal da firma. Eu peguntei se era para vim toda chique as dez da manhã (a festa era um brunch) e me falaram “não necessáriamente mas é sempre bom vestir algo Brooks” (eu tenho fama de não vestir Brooks). Ok, lá fui eu com o meu salto alto Miu Miu para balancear o efeito matrona do meu vestido Brooks. E qual não foi o meu choque ao ver a escolha sartorial do resto do povo:





E sim, apesar de eu internamente saber que calça xadrez aqui é mais uma tradição americana eu só conseguia pensar: Meu Deus, é um encontro anual dos Mario Fofocas! E eu me refiro ao Mario Fofoca original, amigos. Coisa que os meninos e meninas que vestem Abercombie não fazem a menor idéia.

Thursday, April 28, 2011

Vampiros Emocionais

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Nestes dias sem trabalho e com muito tempo para ler, pensar e bitolar eu tenho me tornado muito mais atenta as ironias do dia a dia. Hoje por exemplo, eu fui fazer um entrevista num prédio no Soho numa agência imobiliária. Eu nem preciso dizer que eu e meu ego delicado estávamos em frangalhos com a mera idéia de acabar trabalhando em sites para o Donald Trump. EU, eu, euzinha, euzona, A diretora de arte, diretora criativa do mundo fashion, mega-mega-mega-megatalentosa acabar num beco sem saída destes! Mas é lógico que o insulto não estava completo se não fosse pelo advento do Google Maps. Ah sim, pois no instante que eu digitei o endereço eu vi que no mesmo prédio da agência imobiliária ficava a Mucca Design, uma das agências de design mais importantes de NY. Trabalhar lá é um destes sonhos que agente sonha quando desce do avião para morar em NY e com o passar dos anos vai ficando cada vez mais longe. E não interessa que meus amigos que trabalharam ou conhecem quem trabalha lá me disseram que o lugar pode ser o que quiser por fora mas por que por dentro é uma máquina de moer carne de designers mau pagos e maus amados. E de pastéis fritos de designers… ok, acho que vocês já entenderam a metáfora. Mas você acha que isto me impediu de ficar gagejando com a porteira que me perguntou que andar eu estava indo? Eu estava a ponto de contar toda a história, de como eu estava indo no oitavo andar na “City Realty” mas na verdade meu Destino era ir para o décimo andar e ser linda e fabulosa na “Mucca Design”. Mas quieta eu fiquei e quieta eu fui até o oitavo andar e qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o projeto imobiliário em questão não envolvia o Donald Trump e não era nada humilhante e devo até dizer…interessante??

É lógico que na volta ao percorrer os vinte quarteirões entre o Soho e a minha casa eu me peguei pensando nestas questões de imagem, da fantasia de querermos ser algo que está fora do nosso alcance e de ficarmos achando que nossa realidade é muito pior do que a nossa fantasia. E de como nós estamos sempre tão prontos para comprar uma imagem de algo que é tão ilusório.

Eu acabei lembrando de um fim de semana que eu passei em Rhinebeck num retiro espiritual chamado Ômega. Minha irmã estava trabalhando lá durante todo o verão e nós resolvemos ir visitá-la. O lugar era lindo com atividades, lago, comida vegetariana de primeira. E como quem está na chuva é para se molhar toca eu e o meu marido a participar dos workshops. E como já é um fato de conhecimento geral, eu sempre caio em qualquer promessa de marketing independetemente de trabalhar com marketeiros eu continuo caíndo nas mesmas armadilhas. O workshop que nós fomos era chamado de “Vampiros Emocionais: como entendê-los e se proteger deles” a pessoa dando o workshop era intitulada de Xamã Urbana. Eu não pude resistir tanto drama e auto ajuda em uma frase só. E na hora marcada lá estávamos nós, eu meu marido, minha irmã e o amigo dela “Lotus” (ele se recusou a nos dizer o nome verdadeiro e disse que Lotus era um nome mais verdadeiro do que o de batismo). Lá estávamos nós sentados em círculo, eu olhando para a Xamã pensando com os meus botões como ela deveria ser uma sábia e capaz de curar qualquer dor espiritual. Em volta dela todas as pessoas do retiro, pessoas iluminadas que meditam, que comem bem, que são puros, pessoas que querem se proteger de vampiros emocionais.
E qual não foi a minha surpresa quando cada um se apresentou e uma das pessoas do círculo falou “Eu estou muito intressado em lidar com vampiros emocionais por que eu SOU um vampiro emocional”.

Certo.

Ótimo.

Voltando para a Xamã: “Vampiros emocionais são pessoas que sugam a sua energia”. Isto eu já sabia. “Como lidar com estas pessoas? Muito simples, tenha sempre um talismã a mão. Como esta planta aqui, a unha de gato” e passou para o grupo uma unha de gato. “A pedra lápis lázuli é muito eficiente também”. E onde agente encontra estes talismãs uma pessoa do grupo perguntou, e a Xamã não perdeu nem um segundo e respondeu, “Ah sim, que bom que você fez esta pergunta. Você pode ir no meu site e encontrar todos estes talismãs a venda”. Como assim? Que diacho de Xamã é esta? Devo confessar que eu fui ao site onde além das inofensivas unhas de gato você pode comprar velas-vaginas para botar fogo na sua vida amorosa (U$13). Sentindo uma mudança de clima no grupo ela nos explicou que o talismã pode ser qualquer coisa que nós quisermos, ela mesma gosta de projetar um significado especial em elásticos que ela acha na rua. Ela tem uma coleção de elásticos de borracha que ela acha nas ruas de Manhattan. Ceeerto. Para mim foi o que faltava, não existe fantasia alguma que sobreviva a imagem de alguém catando lixo nas calçadas imundas de Manhattan e levando-o para casa. “Queimar sálvia é muito eficaz também”, continuou a Xamã queimando um bocado de sálvia. E foi neste instante que meu marido, ultra paciente até então se levantou e desapareceu. “Oh céus!! Ele deve ser um vampiro emocional!” eu pensei. Ou não. Ou não. E fui atrás dele.

Wednesday, April 13, 2011

Os Falsos Feios

Outro dia eu estava conversando com as minhas amigas e uma delas, a Nana que é uma destas ganhadoras da loteria genética, pernas de um kilômetro bocas e olhos imensos, pele negra brilhando, me contava de um transsexual amigo dela que recentemente fez uma operação e é hoje oficialmente uma mulher. “Esta minha amiga virou um mulherão de parar o trânsito mas toda vez que agente sai junto a galera enlouquece, o povo fala um monte de coisa na rua e eu fico sem graça enquanto ela é só sorriso, balançando a cabeça como quem concorda com os comentários…. Ela não entende que as mulheres de verdade não reagem deste jeito.” E não é que é verdade? Mulheres ‘de verdade’ não se dão ao trabalho de concordar com os comentários chulos apesar de que eu tenho várias amigas que se sentem rejeitadas se os comentários não acontecem. Nós queremos ser notadas e elogiadas mas não queremos assaltos verbais.
Em Nova Iorque na maioria das vezes os comentários são de acordo com a cultura sexual reprimida “Bom Dia, Linda!” ao invés da longa (e detalhada) descrição sexual que agente escuta no Largo da Batata. Ontem, andando por Williamsburg que está be longe de ser o Largo da Batata eu estava pensando nestes encontros entre o sublime belo e o rude chulo e o que me chamou atenção é que o denominador comum das pessoas a minha volta era um certo esforço em enfeiar. Se Nova Ioque é a capital do cool Williamsburg no Brooklyn é o epicentro desta capital. No restaurante a moça do nosso lado estava usando um terno de lã grossa vermelho e preto estilo Mário Fofoca geração original (sem nada do makeover da novela atual), o rapaz atrás de nós era, dentro de todos os padrões estéticos é o que eu qualifico de “um gatinho” com olhos azuis de enlouquecer qualquer brasileiro mas tinha um bigodão assim:


Por que isto minha gente? Por que uma pessoa perfeitamente bonita se fantasiaria de feia? Eu não só não entendo como fico irritada. IRRITADA. Meu marido, um ser cool que se recusa a achar qualquer loira de olho azul atraente levanta as sobrancelhas e me pergunta, “Como assim? Você genuinamente não entende a moeda visual local?” NÃO. EU NÃO ENTENDO. E para ser sincera para mim ver estes seres perfeitos com roupas de crente que se vestiram no escuro em 1980 é igual a ver alguém queimando dinheiro em praça pública. “Você não entende que estas pessoas são de todos os lugares dos EUA, pessoas cercadas de cheerleaders de sorriso perfeito, um monte de Jennifer Anistons da vida e o que elas valorizam não é a beleza óbvia mas sim o fator “interessante”, a ironia e não o desespero de ser aceito baseado numa beleza absolutamente sem graça. Ser interessante é mais importante do que ser bonito.” UAU. A boca do meu marido se movia soltando estas palavras mas para mim era como um alien falando uma língua além da civilização ocidental. Eu sei que existem inúmeras pessoas descoladíssimas em São Paulo, amigos meus inclusive que botariam os hipsters do Brooklyn no chinelo, porém quando eu penso em beleza e vejo certas pessoas por aqui eu ainda tenho uma reação bem brasileira colonial de converter tudo em quoeficiente beleza e status. É um tique nervoso realmente patético que deixam os nova iorquinos horrorizados mas eu não consigo desativar.
Como assim? Ser linda não é ser feliz? Ser linda não é ter sucesso? Nunca ficar triste, nunca ouvir não, nunca ter que pedir algo duas vezes? E quem não é lindo? Faz o quê? Dependendo de quem você é no meio que você vive não faz a menor diferença. E talvez a zona perfeita seja como aquele perído na nossa vida quando as coisas não estavam claras, a sua personalidade, sua altura e a sua beleza ainda estavam em formação, tudo podia acontecer. Todas estas palavras pesadas como beleza, carreira, namorado, filhos eram todas igualmente misteriosas e possíveis. Eu passei um tempão achando que eu era uma coisa (feia) e um dia me surpreendi ao descobrir simulâneamente eu não era feia e que tal revelação, longe de resolver todas as minhas pendências com Deus não era importante. Infelizmente no dia em que você descobre que sua cara é bonita é o dia que tudo de não-lindo que está dentro de você ainda pesa uma tonelada e não tem rímel neste mundo que baste. Será que é por isso que o povo moderninho de Williamsburg se fantasia tanto? Será que eles encontraram o antído secreto de nunca olhar para dentro? Ou será o contrário, será que eles já olharam para dentro e descobriram como ser feliz por fora?

Wednesday, March 30, 2011

Amélia é que era mulher de verdade

Eu tenho uma amiga super bem sucedida, intelectual, psicóloga que um dia virou para mim e disse, “Por que catso as mulheres tinham que queimar os sutiãs, sair na rua e lutar pelo Feminismo? Tem dia que tudo que eu quero é ser uma dona de casa e assar bolos para o meu marido”. Eu entendo perfeitamente o sentimento dela, mas minha amiga provavelmente seria crucificada se ela falasse tal coisa em público.


Eu me lembro de quando eu era bem pequena toda redonda e as pessoas na rua adoravam me apertar e me encher o saco. Lembro que uma vez uma dona me perguntou, “O que você quer ser quando crescer?” e eu respondi sem pestanejar: “EU QUERO SER EMPREGADA DOMÉSTICA!”, assim com toda a alegria infantil e nada do sarcasmo atual que eu uso nas minhas interações com estranhos na rua. Naquela ocasião eu lembro que estava com o meu pai que normalmente é bem zen e alheio as quizumbas armadas pelos seus cinco filhos. Ao ouvir minha resposta entusiasmada porém, ele me puxou para longe da mulher e bem sério me perguntou porquê eu tinha dado tal resposta. “Eu adoro lavar louça!”, “Camila, você não poder querer empregada doméstica”, “Por que não?”, mas aí meu pai já tinha desconectado. Eu não entendi nada e continuei lavando louça feliz da vida. E tantas décadas depois lá estava eu ontem toda animada esfregando minha panela de pressão com um Bombril que trouxe na mala especialmente da América Latina. Eu não entendo por que esta panela se recusa a brilhar e comecei a gastar um bom tempo pensando a respeito no caminho para uma entrevista de trabalho. Imagina se eu usasse minha honestidade infantil com a moça me entrevistando, falasse das minhas preocupações panelísticas de o aço inox.


Quando eu estava trabalhando na Bluefly e era chefe de um monte de gente eu contratava designers, diretores de arte, produtores e etc. Olhava pilhas e pilhas de curriculums, selecionava alguns, entrevistava uns tantos. Para minha surpresa, a honestidade infantil ainda existe em alguns candidatos e embora eu tenha sofrido para achar as pessoas certas eu encontrei muita sabedoria no caminho. Eu perguntei a um menino as razões pelas quais ele estava interessado em trabalhar na Bluefly e ele disse, “Porque minha mãe me mandou.”, um outro escreveu um email dizendo várias vezes que ele queria trabalhar num “websight”, um outro mandou uma capa de revista em que ele havia trabalhado com uma mulher de fio dental e uma bunda ENORME. Enorme. Realmente enorme. Outro me disse que se eu o contratasse ele prometia “mudar a minha vida!!!!!”, outro se recusou a me falar quanto queria ganhar e ficava repetindo que não podia me dizer onde trabalhava (pergunta que eu não havia feito). E por aí vai, a ala dos loucos está sempre cheia.


Hoje em dia em que eu me encontro do outro lado da mesa, sendo entrevistada eu fico com vontade de chegar e dizer, “Me contrata, eu te garanto que não sou louca.”, mas lógico que eu sento ali bem comportada e danço conforme a música, mostro meu portfolio, respondo as perguntas sempre vendendo o meu peixe e tal. Mas o “meu peixe” eu ando desconfiada anda meio passado, mais e mais eu me vejo com mais vontade de voltar para as minhas panelas, minha yoga, minhas tardes trabalhando em coisas minhas do que convencer estranhos que sim, trabalhar com eles seria um sonho sem fim com purpurina colorida todo dia. E fedendo ou não o peixe continua sendo vendido, mas sentada ali olhando a pessoa me entrevistando fiquei pensado. A entrevistadora era uma destas new yorkers ambiciosas que nem eu era (e sou) há dois meses atrás, correndo de um lado para o outro, pensando mil coisas ao mesmo tempo, perguntando três perguntas ao mesmo tempo, um prato de salada pela metade do lado do teclado, um pouco da salada entre os dentes, cabelo meio preso meio solto estilo pegou fogo na minha casa. Aquela moça assim como eu, havia sido engolida pelo trabalho. De certa forma, trabalho no meu caso sempre foi o significado e o significante. Não era um meio para um fim e sim um fim em si mesmo. Acho que em algum momento, entre descobrir que gostar de lavar pratos não era o suficiente para ser uma profissão e entre descobrir o sentimento tóxico de ser amada, necessária, insubstituível no trabalho, a coisa toda mudou demais. Deixou de ser “trabalhar para viver” virou “viver para trabalhar”. Desconfio que o tal peixe que eu carrego para cima e para baixo gritando “Olha aí, olha aí freguesia!” tenha que se transformar em um peixe vivo, talvez ele tenha que nadar e ser feliz. Quem sabe eu até podia colocar umas plantinhas a seu redor e quem sabe?


Tuesday, March 22, 2011

Pés na terra, cabeça nas nuvens


Há trinta minutos atrás eu estava no avião voando de Montevideo para o Chile escutando meu programa de rádio favorito (via podcast), o This American Life e qual não foi a minha surpresa quando o assunto do programa acabou sendo sobre esta estranha emoção que nos toma de assalto quando voamos. Uma fraqueza para emoções baratas instigadas por filmes terríveis que fazem parte de qualquer vôo. No programa eles entrevistaram pessoas que normalmente não se emocionam a tôa e quase nunca choram, como no caso deste crítico de “cinema autor” que ficou todo engasgado ao assistir um comercial (sim, leitores, um comercial) da American Express onde um executivo em viagem perde a carteira e a American Express manda um cartão novo. Acredite, a narrativa era assim prosaica. Quem sabe a edição e a música eram mais apelativas. Eu, apesar de fazer piada me indentifico bastante com o crítico. Quando eu vôo de avião eu entro numa zona onde tudo de normal fica em suspenso e acho que algumas rachaduras na minha vida terrena se afrouxam um pouco e emoções clandestinas em estilo guerrilha se infiltram no meu consciente, há mil milhas acima da terra. No avião nós não temos indicadores do que somos, ninguém sabe o que fazemos, nossas histórias nem quem conhecemos, não é que nem uma festa apertada em que pelo menos alguém (espera-se) conhece o dono da casa. Ninguém conhece ninguém e todo mundo se aperta junto. Juntos ensaiamos uma réplica da vida terrena. Jantamos, escovamos o dente, alguns colocam pijamas, uns até cortam as unhas (juro!). E assim como nos ensinamentos yogis, estamos todos vivendo no momento, vivemos não no destino mas sim na jornada. O destino chegará inevitávelmente mas temos que antes lidar com as nove ou dez horas entre nós e o destino. E olha só que coisa, a minha vida neste instante está perfeitamente alinhada com este sentimento. Eu larguei o meu trabalho em Janeiro sem nenhum motivo radical, apenas por que eu queria dar um tempo e achar alguma outra coisa. Eu não sei que outra coisa e não estou muito preocupada (mas me pergunta daqui um mês), eu estou vivendo a jornada, a procura, o momento. E assim como num avião onde involuntáriamente regredimos a um estado infantil onde levantamos quando alguém nos diz que podemos levantar, comemos apenas quando alguém nos dá de comer, desligamos nossos brinquedinhos eletrônicos assim que alguém nos manda desligar, eu estou vivendo um momento infantil onde a felicidade de certa forma está mais acessível, menos complicada e mais imediata. Sim, eu sei…estou parecendo um destes filmes de avião, cheios de clichês, roteiro barato e finais felizes. Desculpa! Mas no fim acho que a vida bem vivida é uma série de clichês. Eu vou atrás os ensinamentos de yoga e o escambau mas até hoje nunca escutei nada que não fosse absolutamente óbvio, mas se é tão óbvio, por que é tão difícil de implementar? E sabe o que eu escutei hoje na aula de yoga antes de embarcar no avião? “Pés fincados na terra são o princípio de tudo, é o que assegura a fantasia e o crescimento interno”. Faz sentido que a vida a la biscoito chinês ia me dizer isto bem no dia em que eu, taurina, pés fincados no chão e corpo na lama de tão terrena ia pegar um avião e ter todo este papo cabeça com si mesma. (Em um restaurante, no aeoporto de Santiago, Chile enquanto o avião para Nova Iorque não vem)

Wednesday, March 9, 2011

Linda Como Ninguém


Na semana passada a Dior demitiu o super super designer John Galliano depois que este foi pego fazendo comentários anti semitas em um bar em Paris. O mundinho fashion deu aquela estremecida geral, o resto do mundo achou péssimo e a vida seguiu em frente mas eu continuei parada no momento pensado a respeito. Ao ver o vídeo e vi que os comentários não param no anti semitismo, eles vão além da raça para um terreno ainda mais abrangente: “Você é feia, suas botas são feias, suas coxas são feias. Eu não quero olhar para você, eu sou John Galliano! Você deveria estar morta”.


Se ele tivesse parado por aí ele ainda seria a cabeça criativa da Dior. Mas ele não parou por aí, ele continou e falou coisas que realmente não devem passar desapercebidas e a demissão foi apropriada. Mas e o resto do mundo fashion que segue em seu dia a dia em que a beleza em si é algo a ser não apenas celebrada mas usada como divisor de águas, classes e valor pessoal? Para um Galliano que foi longe demais tem milhares de profissionais na indústria da moda que despeja feiúra no processo de criar beleza impunemente. Na época em que eu ainda achava divertido ir em festas de modelos um deles veio falar comigo e sem a menor auto censura dispensou esta pérola: “Eu adoro festas como estas, todas as pessoas lindas em um só ambiente. Você, não acha o máximo? Imagina se o mundo lá fora acabar e só as pessoas desta festa sobreviverem? Só as pessoas lindas sobreviverem….” Eu esperei alguns momentos, dando a chance para ele rir da piada de mau gosto mas ele não riu, era sério. E sério também foi quando durante um intervalo na sessão de fotos uma modelo (brasileira) começa a contar como ela adora ser bonita e que “sinceramente eu não sei como as pessoas que não são bonitas sobrevivem”. E sério foi quando uma outra modelo (russa) me perguntou por que eu estava usando uma blusa em cima do vestido e quando eu expliquei que o vestido era muito decotado ela disse “E daí? Você tem que mostrar seus talentos! Como você vai ser promovida deste jeito?”.


Deus


Dai


Me


Força


Durante estes momentos eu me sentia como as pessoas se sentiram quando os filmes mudos começaram a ser falados. Depois de anos mesmerizados pela beleza dos atores vem o choque de escutar uma voz aguda, horrível em descompasso com o resto da beleza. E não é que eu espere que as modelos sejam intelectuais a lá Camille Paglia, mas Beleza com b maísculo, mesmo para gatos escaldados que nem eu ainda tem um poder hipnotizante. Eu acho que nunca deixarei de me chocar quando estes seres lindos começam a vomitar sua ignorância no que diz respeito ao resto da humanidade não linda. E ainda mais comum que a sabedoria mão única dos modelos são os editores, diretores de arte, designers e etc que assim como Galliano não fazem parte (fisícamente) da über raça de genes perfeitos. Eles fazem parte e comandam o mundo da moda por que tem outros talentos. E não importa o quão talentosos eles são, na maioria das vezes eles continuam contratanto os seres brancos, loiros e de olhos azuis que de certa forma são exemplares da raça pura que os nazistas tanto quiseram proliferar. A beleza está nos olhos de quem a vê, e a feiúra está no cérebro de quem arruma os manequins na vitrine do mundo.



PS. Agradecimentos ao meu amigo João pelo cutucão eletrônico para eu escrever mais, este post é para você!

Monday, December 20, 2010

O Monstro que Comeu de tudo

Antes que o ano se encerre eu devo dividir este texto que escrevi há uns meses atrás:

Este fim de semana aconteceu algo interessante. Um destes momentos onde uma porta para um outro universo se abre e você, por um segundo vê um mundo diferente do seu. Completamente diferente. E num segundo você está de volta para a sua realidade mas de certa forma, trazendo de volta com você este outro mundo.

Nós fomos para o norte do estado de Nova Iorque para uma região linda chamada Catskills onde fica a cidade de Woodstock. Nós estamos procurando casas e pensando sériamente em comprar uma casa na região, uma casa de campo, perto da natureza onde possamos relaxar e lavar um pouco do futum da cidade grande que está impregnando nosso cérebro. Toda vez que vamos e passamos o dia vendo casas é uma delícia por que a área é tão linda e nós nos sentimos cheios de energia. Woodstock ainda tem um charme hippie, lojinhas lindas e todo mundo parece ser como agente, liberal, culto, ecológicos etc etc etc. Mas é lógico que todo mundo não é como agente e o enclave de hippies liberais de Woodstock está cercado com outros enclaves menos sofisticados.

A casa que vimos no Sábado foi paixão a primeira vista, pequena, fofa, com lareira, janelas enormes, cozinha de sonho… só não deu tempo de ver o resto do bairro por que estávamos atrasados para ver outra propriedade. No dia seguinte resolvemos voltar para explorar o bairro, ver se haviam lugares para comprar comida por perto e tudo mais. Dirigindo pela rua de trás da casa eu notei trailers dilapidados, e olhando com mais atenção vi galinhas saindo de um trailer. Um galinheiro improvisado. O jardim coberto de móveis velhos e lixo. Meu cérebro rápidamente trabalhando e processando a informação. Ter um galinheiro no quintal não é ruim, ou é? Quem não gostaria de ter ovos frescos? Meus olhos, sem esperar o cérebro terminar a farça, se perderam no resto da paisagem, montanhas de lixo, mais móveis velhos e, peraí… gente! PUTAQUEPARIU! Ali na árvore em frente da casa caindo aos pedaços um veado morto pendurado de cabeça para baixo. Era uma casa de caçadores com certeza. E os veados, lindos que vemos durante nossas andanças entre uma casa e outra, os veados que tornam o Catskills mágico, que tornam a natureza próxima e fazem você querer morar ali para sempre.. ali estava. Morto e pendurado. “Segue em frente, segue em frente” eu disse para o Anthony, tentando apagar o que ainda estava no meu campo de visão.

E em frente nós seguimos, passando por mais trailers com jardins cheios de lixo, um atrás do outro, como se estívessemos dentro da barriga de um montro que comeu de tudo e teve má digestão. Meu cérebro em suspensão, sem pensar, só olhando a escala do lixo com claros indicadores que ali moravam famílias. Ao chegarmos no fim da rua sem saída vimos um menininho sair de um dos trailers acompanhado de um cão fila. Enquanto manobravámos o carro o menino nos observava de braços cruzados (sem camisa num frio de dez graus), agente dando tchauzinho com sorrisos forçados, tentado agir como qualquer pessoa age de frente a uma criança. E o menino com um rosto impassível, só esperando agente dar o fora. Ali estava a única pessoa que vimos no meio daquele destroços. Um criança de seis anos que não riu, não deu tchauzinho e se ficássemos para descobrir, se mostraria capaz de quebrar a nossa cara.

Na viagem de volta para Manhattan eu fiquei me questionando. Eu me vi como a pequena burguesa tendo um chilique ao ver a classe pobre em seu habitat. Para mim os veados são animais lindos que devem ser permitidos viver mas eu continuo comendo galinha e carne de vaca sem problemas, mesmo com peso na consciência. E o que me difere da pessoa que mata e pendura o veado na árvore? O meu preconceito? O meu horror ao outro, ao diferente? O horror, não de descobrir que existe pobreza, mas o horror de descobrir que esta pobreza é vizinha do lugar onde eu iria morar. Me senti como o monstro que comeu o lixo e teve má digestão. E lá estávamos nós a mil por hora na estrada, correndo de volta a cidade grande. De volta para a bolha onde o intestino da fábrica social não é visto.