Wednesday, March 30, 2011

Amélia é que era mulher de verdade

Eu tenho uma amiga super bem sucedida, intelectual, psicóloga que um dia virou para mim e disse, “Por que catso as mulheres tinham que queimar os sutiãs, sair na rua e lutar pelo Feminismo? Tem dia que tudo que eu quero é ser uma dona de casa e assar bolos para o meu marido”. Eu entendo perfeitamente o sentimento dela, mas minha amiga provavelmente seria crucificada se ela falasse tal coisa em público.


Eu me lembro de quando eu era bem pequena toda redonda e as pessoas na rua adoravam me apertar e me encher o saco. Lembro que uma vez uma dona me perguntou, “O que você quer ser quando crescer?” e eu respondi sem pestanejar: “EU QUERO SER EMPREGADA DOMÉSTICA!”, assim com toda a alegria infantil e nada do sarcasmo atual que eu uso nas minhas interações com estranhos na rua. Naquela ocasião eu lembro que estava com o meu pai que normalmente é bem zen e alheio as quizumbas armadas pelos seus cinco filhos. Ao ouvir minha resposta entusiasmada porém, ele me puxou para longe da mulher e bem sério me perguntou porquê eu tinha dado tal resposta. “Eu adoro lavar louça!”, “Camila, você não poder querer empregada doméstica”, “Por que não?”, mas aí meu pai já tinha desconectado. Eu não entendi nada e continuei lavando louça feliz da vida. E tantas décadas depois lá estava eu ontem toda animada esfregando minha panela de pressão com um Bombril que trouxe na mala especialmente da América Latina. Eu não entendo por que esta panela se recusa a brilhar e comecei a gastar um bom tempo pensando a respeito no caminho para uma entrevista de trabalho. Imagina se eu usasse minha honestidade infantil com a moça me entrevistando, falasse das minhas preocupações panelísticas de o aço inox.


Quando eu estava trabalhando na Bluefly e era chefe de um monte de gente eu contratava designers, diretores de arte, produtores e etc. Olhava pilhas e pilhas de curriculums, selecionava alguns, entrevistava uns tantos. Para minha surpresa, a honestidade infantil ainda existe em alguns candidatos e embora eu tenha sofrido para achar as pessoas certas eu encontrei muita sabedoria no caminho. Eu perguntei a um menino as razões pelas quais ele estava interessado em trabalhar na Bluefly e ele disse, “Porque minha mãe me mandou.”, um outro escreveu um email dizendo várias vezes que ele queria trabalhar num “websight”, um outro mandou uma capa de revista em que ele havia trabalhado com uma mulher de fio dental e uma bunda ENORME. Enorme. Realmente enorme. Outro me disse que se eu o contratasse ele prometia “mudar a minha vida!!!!!”, outro se recusou a me falar quanto queria ganhar e ficava repetindo que não podia me dizer onde trabalhava (pergunta que eu não havia feito). E por aí vai, a ala dos loucos está sempre cheia.


Hoje em dia em que eu me encontro do outro lado da mesa, sendo entrevistada eu fico com vontade de chegar e dizer, “Me contrata, eu te garanto que não sou louca.”, mas lógico que eu sento ali bem comportada e danço conforme a música, mostro meu portfolio, respondo as perguntas sempre vendendo o meu peixe e tal. Mas o “meu peixe” eu ando desconfiada anda meio passado, mais e mais eu me vejo com mais vontade de voltar para as minhas panelas, minha yoga, minhas tardes trabalhando em coisas minhas do que convencer estranhos que sim, trabalhar com eles seria um sonho sem fim com purpurina colorida todo dia. E fedendo ou não o peixe continua sendo vendido, mas sentada ali olhando a pessoa me entrevistando fiquei pensado. A entrevistadora era uma destas new yorkers ambiciosas que nem eu era (e sou) há dois meses atrás, correndo de um lado para o outro, pensando mil coisas ao mesmo tempo, perguntando três perguntas ao mesmo tempo, um prato de salada pela metade do lado do teclado, um pouco da salada entre os dentes, cabelo meio preso meio solto estilo pegou fogo na minha casa. Aquela moça assim como eu, havia sido engolida pelo trabalho. De certa forma, trabalho no meu caso sempre foi o significado e o significante. Não era um meio para um fim e sim um fim em si mesmo. Acho que em algum momento, entre descobrir que gostar de lavar pratos não era o suficiente para ser uma profissão e entre descobrir o sentimento tóxico de ser amada, necessária, insubstituível no trabalho, a coisa toda mudou demais. Deixou de ser “trabalhar para viver” virou “viver para trabalhar”. Desconfio que o tal peixe que eu carrego para cima e para baixo gritando “Olha aí, olha aí freguesia!” tenha que se transformar em um peixe vivo, talvez ele tenha que nadar e ser feliz. Quem sabe eu até podia colocar umas plantinhas a seu redor e quem sabe?


3 comments:

Anonymous said...

Querida,
que lindas palavras. Quando você descobrir como se consegue "trabalhar para viver" e não "viver para trabalhar" (pelo menos em 50% do nosso tempo), me avisa, pq quero a receita. Pelo menos 1 vez por semana a gente deveria poder tirar o dia do trabalho pra dedicar às panelas. eu ia adorar !! Bjs. Paula

Mari Labaki said...

Caki querida,

Adorei essa reflexão sobre nossa vida X o trabalho. Talvez o segredo seja esse mesmo, não fazer do trabalho um inimigo "necessário", viciante. Um amigo sería ótimo, como o peixe vivo com as plantinhas a seu redor.

Beijo grande!
Mari.

Nina said...

Caki, eu também adoro lavar louça!!!
Porém, nada de ariar panelas, somente pratos, copos, talheres e afins. Louça limpa, cabeça mais fresca.
Beijos!
Nina