Wednesday, December 26, 2007

Deixa rolar. Literalmente


Este ano foi o primeiro ano que resolvi passar as festas em Nova Iorque e não no Brasil. Porém, depois de trinta anos fazendo os mesmos ritos, mudanças não são assim tão fáceis. Meu marido temendo um Natal triste longe da minha família sugeriu que fossemos esquiar em algum lugar perto de NY. E lá fomos nós para o estado de Vermont, meu marido animadíssimo. “Esquiar é divertido, você vai ver”, é sei. Quem sabe. Aprender esportes depois de uma certa idade você corre o risco do ridículo. Há dez anos atrás eu tentei aprender a andar de bicicleta sozinha mas desisti depois de atropelar uma família no parque do Ibirapuera.

No nosso primeiro dia de aula chovia sem parar. Garoa fina mas insistente. Nós fantasiados da cabeça aos pés aguardávamos o instrutor. Esquiar eu descobri é um processo filosófico analítico, como tudo na vida traz mensagens escondidas que servem como um oráculo para o nosso destino. Enquanto meu marido escutava o instrutor repetir em outras palavras o que a vida já vem lhe dizendo há tempos “Pára de analisar, deixa ser, deixa rolar o que tiver que rolar. Menos força, esquiar é para ser suave e no balanço, apenas vive. Não pensa demais”. O meu instrutor por sua vez era um pouco fora dos padrões, 75 anos ou mais e usando bonecos e pedaços de madeira ele tentava explicar como esquiar, bem estilo guru. E no momento em que subi nos esquis eu percebi que teria que abrir mão do controle e dominar meu medo.

Aprender a se mover, a virar, a parar, você vira um bebê de novo. Meu medo me paralisava. Mesmo depois de eu ter aprendido o básico.

Medo de me machucar.
Medo de não conseguir.
Medo de arriscar.
Medo de que talvez eu não consiga atravessar este pedaço.

Ou seja, meus medos familiares que sinto sobre tudo que me cerca diáriamente. Mas de salto alto e calça jeans descendo pelas ruas de NY é fácil de enganar. A história muda quando você está em cima de um morro gelado com botas gigantescas, duas calças, blusa, malha, jaqueta, gorro, luva de dentro, luva de fora, máscara.. ah sim e os esquis. Você se sente um saco de batata tentanto ser gracioso. Para completar o tiquete que te dá acesso as aulas e teleférico é uma etiqueta que eles penduram na jaqueta, uma etiqueta EXATAMENTE como aquelas que se colocam nas malas no aeoroporto. Segundo meu marido a tal tarja é cool, os alunos dele nem tiram depois da viagem, deixam ela para sempre como símbolo de status. Sei. Já vi que ser do trópicos me torna analfabeta na hora de ler tais símbolos.

E para piorar como chovia sem parar você está com todas estas camadas de roupa e ainda úmido por dentro, eles estavam dando aqueles sacos plásticos finos que o povo vende por 5 reais na chuva. Era a camada que faltava no estilo potato chic, agora plastificada! No meu último dia eu ainda adicionei um capacete na equação. Mas no meu último dia eu já não precisava dele.

Pois sim óbviamente eu cai inumeras vezes e sim, tive um revival e atropelei meu marido. Eu tentei parar, morro abaixo ele esperando por mim. Eu toda feliz que tinha conseguido virar na direção dele, mas parar é outra história. Cai, caimos, rolei morro abaixo. Minha cabeça doía, meu pescoço idem. Fomos até o vestiário pedir gelo para colocar na minha cabeça. Eu exausta deitei no banco, não tinham gelo a não ser na enfermaria mas que sabe alguém poderia trazer para nós. Sim, se não for dar trabalho agente espera aqui.

Minutos depois aparece um médico da cruz vermelha, me faz um monte de perguntas, aciona o rádio e pede reforço “confirmando código 1-2-2, dois pares de mão necessários”. Colocaram uma coleira no meu pescoço, me amarram numa maca, seis caras (sim seis!) me carregaram até uma pick up que nos levaria até a enfermaria. O tal médico falando pelos cotovelos, o que você faz? Ah diretora de arte é? De que galeria? De Nova Iorque? Ah sim eu conheço um casal em Nova Iorque, mas ele infelizmente morreu, foi atropelado por um caminhão. Pois é. Conversa de qualidade. No bagageiro da pick up, amarrada na maca sem mexer um fio de cabelo. E o Anthony nisto tudo? Ah sim, tava no banco da frente da pick up ponderando se seria ofensivo se ele tirasse uma foto de mim para a posteriade. Mas ele achou melhor não, a equipe de emergência estava sendo tão séria no teatro do absurdo que tanto ele como eu nos sentimos mal de acharmos tudo tão cômico, achamos melhor “ir no balanço” como eles mesmos falam sobre esqui. Deixa a histeria rolar, melhor não oferecer resistência. Na enfermaria tive que assinar três formulários, um deles dizendo que eu queria ser solta da maca. E ninguém nunca me deu um saco de gelo para a minha cabeça. Mas aí a culpa foi nossa pois cercados de neve deveríamos ter tomado a iniciativa de enfiar minha cabeça na neve. Potato chic versão avestruz. Ninguém se importaria.


E aí vai o resultado das aulas. Eu consegui aprender!

1 comment:

Mari Labaki said...

Oi Cak's

Sou eu novemente.
Ainda não havia lido esse post.
Potato chic no úúúrrrtimo!!

Amei!!!

Beijo grande,

Mari.