Sunday, September 30, 2007

Primeiro Mundo

Semana passada recebi um email de um amigo querido que está em Londres. Admirado com as belezas que vê ele escreve de um sentimento de inferioridade que o tomou de pronto. Eu conheço bem este sentimento pois ele me visitava frequentemente quando cheguei a NY.

E aqui coloco minha resposta:

Querido,

Que bom ouvir de você. Que bom saber que você está em Londres. Demorei na resposta por que queria escrever com calma. A verdade é que andei pensando muito no seu email, de certa forma bateu forte em mim. Chorei um pouco quando eu li por que reconheço os teus sentimentos.

Faz quatro anos que eu saí do Brasil. Nova Iorque ainda é o que foi desde que eu cheguei. Uma sereia linda com um rabo longo e cheio de curvas, as ruas, as luzes, as pessoas, as lojas, as possibildades, as diversas indentidades que um lugar como este te permite ter.

Eu acho que existe uma fome dentro de todos nós, uma fome que nos guia, um querer mais, experenciar mais. Acho que nossa família nos nutre num primeiro e básico estágio, acredito que os bons pais dão de comer mas devem sempre instigar mais fome, apontar para o mundo, te encorajar a ir lá fora e dar de comer a si mesmo. E você foi encarar sua fome e ver o que o mundo tem para te oferecer. E eu aplaudo a tua coragem. Não é fácil estar sozinho em Londres ou aqui em Nova Iorque. Parabéns, a parte mais difícil você já fez, cruzou o oceano. Estar sozinho fora do Brasil é descobrir quem você é. É bom se medir e se desafiar. Não são flores. Dá dor no coração saber de onde viemos e ver que tem lugares onde uma civilização opera de formas diferentes e a primeira vista muito eficientemente e cheia de glamour.

Eu amo Nova Iorque, eu amo minha vida aqui. E grande parte deste amor vem do fato de que sou brasileira, vem do fato que eu assombro meus colegas de trabalho com a minha dedicação e eficiência mestiça, derreto meus amigos americanos com explosões de carinho que são muito brasileiras, faço todo mundo rir com uma alegria que não tem nada a ver com esta terra estrangeira. O melhor de mim vem do país onde eu cresci e das pessoas que eu conheci (pai, mãe e irmãos incluídos na linha de frente). Querido, o melhor da sua experiência em Londres será o que você vai ver com os seus olhos brasileiros e processar com o seu coração brasileiro. Todos os clichês que nós somos um povo especial são verdadeiros. Nós só chegamos a esta conclusão quando estamos distantes. Em meio a grandeza do primeiro mundo encontramos muita pequeneza, encontramos pessoas andando nas ruas com cuidado tentando esconder um vazio de si mesmas, encontramos pessoas que estão mortas e não sabem, pessoas vivendo dias sem fim, um atrás do outro, acolhidas por um sistema que funciona, um governo que lhes dá de tudo e não existe lugar para a luta. E é lógico encontramos pessoas incríveis, artistas, poetas. Felizes com dinheiro no bolso e com projetos de vida que só são possíveis no primeiro mundo.

Desculpa pela resposta longa e meio viagem. Vá lá domar este mundão. Eu continuo aqui, no meu amor e amimiração por você.

Beijos

Camila


E para quem acha que minha resposta inclui uma dureza é por que na mesma semana eu já me encotrava a meio caminho da tristeza e de um desolamento sincero que veio com o suicídio de um aluno da NYU (Universidade de Nova Iorque). Os suicídios entre os alunos de uma universidade para privilegiados acontecem. São difíceis de previnir, embora nós somos em parte uma resposta aos suicidios, nós moramos com eles em parte para faze-los menos isolados. E quando eles acontecem o mundo pára um pouco e diminui o seu passo por alguns dias. Quandos eles acontecem é como alguém gritando da forma mais alta de que algo está errado com esta sociedade. Mas é apenas um grito na multidão. E dura apenas um segundo.

2 comments:

Mari Labaki said...

Lindas palavras Caki.

Amei a carta! Em particular "...ver com os seus olhos brasileiros e processar com o seu coração brasileiro."

Sobre o triste episódio, nada como um dia depois do outro morando num lugar, para ver que há pequenezas por toda a parte.

Beijão.

Mari.

Anonymous said...

Caki querida,
Concordo com a Mari. Belas palavras.
E que triste sobre o aluno... Deixe-se inebriar pelo canto da sereia, mas não pule no mar! Assim se salvou Odisseu.
saudades,