Thursday, March 5, 2009

Os peixes morreram

Faz muito tempo que eu já não tenho um gato ou um cachorro para chamar de meu, mas eu sei bem como um bicho pode mudar nossas vidas para melhor. Os bichos no fim são aquela válvula de escape onde nossos medos, frustrações e dramas se resolvem ou ficam mais aparentes. E nestes tempos modernos de ansiedade econômica os pobres animais cortam dobrado no mundo simbólico.

Acompanhe esta saga; no meu trabalho cerca de quinze pessoas foram demitidas. Ninguém sabe ao certo por que acontence na surdina, mas na semana passada a recepcionista foi mandada embora e esta é o tipo de presença que não tem como não notar. Para todos nós ver aquela cadeira vazia deu nó na garganta (ou no estômago dependendo se você é homem ou mulher). O que passa pela cabeça é, “Será que estamos perto do fim? Será que esta empresa vai quebrar?”. No dia seguinte eu tinha sessão de foto e não acordei bem mas fui trabalhar assim mesmo, um dos designer que trabalha comigo estava de férias então a equipe estava reduzida.

Ao chegar no trabalho encontro uma das meninas com cara vermelha. “O que aconteceu?” eu pergunto, e penso “Quebramos?”. Ela me olha cheia de angústia, “Os peixinhos morreram!!”. O designer que se encontrava de férias tem um pequeno aquário com peixinhos que ele cria e mima o tempo inteiro. Na sua ausência somos todos resposáveis por alimentar as criaturas. Um de nós porém largou a janela aberta no escritório e, com este inverno metade da população do aquário congelou. Parte de mim devo dizer ficou aliviada com a descoberta, “Ah, sim são apenas os peixes”. Eu toquei minha manhã normalmente no studio fazendo fotos sem saber que o drama dos peixes mortos crescia exponentemente no escritório. A diretora de recursos humanos ficou sabendo e veio me ver no studio, “Camila, eu me sinto péssima com esta história dos peixes! Eles morreram debaixo do nosso teto! E eles ainda estão lá boiando, não pode. Não, não, é energia negativa. E o coitado do dono vai voltar de férias e decobrir que os coitados morreram e agente fez o quê? Jogou eles pela privada?”. Eu olhei bem para ela, é de brincadeira? Mas não era. Eu disse que não estava me sentindo bem mas que ela podia fazer o que ela achasse melhor. Horas depois eu fui ver a situação no escritório e ninguém estava trabalhando. “E aí gente, o que está acontecendo?”, “Ah, nada, estamos combinado um funeral para os peixes”. Funeral. Dos peixes. Sei.

Eu voltei para as fotos e deixei eles sozinho. O funeral aconteceu no mesmo dia, RH preparou um texto de despedida e música, o departamento de arte preparou uma bandeja e três caixõezinhos sob medida. Minha opinião enquanto diretora criativa não foi pedida mas dada de qualquer jeito. “Esta bandeja tá com cara de bandeja de sushi seus desvairados!!”. O modelo concordou comigo (ah, sim nós paramos as fotos para participar do funeral) e prontamentre colocou dois palitinhos na bandeja.

E lá se foram os peixes, com muito barulho e bagunça de forma escandalosa e nada clandestina. O tipo de cerimônia oposta ao tratamento que todos os desempregados estão tendo. Enquanto todos fingiam estarem dando adeus aos peixes nós todos demos adeus aos nossos colegas que se foram e a econômia que junto com os pequenos peixes está indo pela descarga.





2 comments:

Anonymous said...

Bom demais o texto! Sugestão: oferece para aquela seção de cronicas da cartacapital, ta bom demais!

bjos

Anonymous said...

camis, como eu te conheço um pouco, acreditei em cada palavra e imagem da sua história, digna de jogar no tubo de descarga. parabéns por sobreviver a ela. bjo, ciro