O dia em que os canos explodiram a dez quarteirões do meu escritório eu não percebi por causa do meu furacão particular. O furacão que desceu sobre a minha cabeça desde que aceitei a promoção.
E então eis que de novo eu sou como o coelho da Alice, “estou atrasado, estou atrasado”. Muito a fazer, muitas batalhas a serem travadas, pessoas a coordenar, orçamentos, quality control, visão criativa, reunião com este, com aquele, reunião com todos, achar novas modelos, castings, testes, tudo ao mesmo tempo agora.
E dar conta de tudo aqui e agora é algo que eu sei fazer. Quantas vezes eu já não estive neste mesmo barco? Na Vogue? Na New York Moves? Fazer o impossível, trabalhar horas sem fim, conseguir fazer um trabalho de qualidade sob pressão, sem tempo com dez pessoas respirando na sua nuca. Sim, eu sei jogar esta bola, eu sei fazer gol mesmo com o risco de estafa. E o que mudou você me pergunta?
Mudou a cidade, mudou a grana, mudou a década. E com as décadas veio uma sensação de que não estamos sozinhos no universo. Uma sensação que sim, de fato existe vida fora do escritório, planetas, galáxias. E minhas dúvidas são simples, eu sei que tenho vontades e fome de coisas que não estão no meu ganha pão, mas será que eu vou conseguir domar esta besta workaholic que se refastela em tarefas impossíveis? Trabalhar como uma formiga bêbada de Red Bull é algo que eu faço com desenvoltura, sim eu não grito mais, não faço estagiários chorarem, nada disso. Consegui polir os traços de brutalidade. Mas com desenvoltura ou não, é o tipo de vida que não me permite escrever no blog, é o tipo de vida que me deixa meio zumbi nas horas em que não estou trabalhando, não dá sossego para ler Amitav Gosh ou Garcia Marques e ser inundada de lágrimas.
E como é que eu vou fazer estas duas partes díspares sentarem na mesma mesa e alimentar ambas? A besta workaholic e a insustentável leveza do ser?
Outro dia eu estava lendo o jornal de domingo, parece que a mais nova modinha nos bares é pedir drinques “saudáveis”, vodka com cilantro, cenoura e coisa e tal. Aí o povo sendo entrevistado falando que é bom por que você bebe mas não tem ressaca, ingere menos calorias e ainda por cima tem várias vitaminas. Sei. O que aconteceu com ser saudável e não beber alcool? Ou que será que aconteceu com, drinques = celebração, brindes = que se danem as calorias e a ressaca? E aí me dei conta que perdemos a habilidade de fazer escolhas. Acho que esta geração é uma geração que quer tudo sem abrir mão de nada. Queremos usufruir de todos os confortos e ainda ser ecológicamente corretos, queremos uma cozinha minimalista e acabamos usando o triplo do material recursos para esconder os elementos que fazem a cozinha uma cozinha. Acabamos minimalistas na aparência e maximalistas em todo resto.
Então é isso, vou nessa. Presa entre planos de fuga versus planos de conquista universal no trabalho, tentando decifrar a esfinge antes que ela me coma viva.
Nova Iorque passa bem, foi um susto, nada que se compare a tragédia da TAM. O verão está na metade, a cidade está pegajosa com umidade. Os policiais vestem máscaras rosa choque depois da explosão dos canos, e nós seguimos apressados, desviando dos loucos, igorando os mal humorados raivosos e sorrindo quando o termômetro fica abaixo de 30 graus.
Friday, July 20, 2007
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1 comment:
Gata, concordo, perdemos a capacidade de fazer escolhas. E já faz tempo. Essa nossa geração, que nasceu quando computador era coisa da NASA e da sala de comando no Pentágono, onde a Mulher Maravilha trabalhava disfarçada de Diana Prince, e de repente, estamos na idade de comandar trabalhos, dinheiro, somos os que fazemos... mas quem faz na verdade não somos nós. O milagre do controle remoto, da tv a cabo, milhares de canais, de programas incrivelmente sedutores, para todos os gostos, vc pode até fazer sua própria programação, HBO on demand, todas as escolhas em nossas mãos, num aparelhinho de plástico com teclinhas de borracha... mas de fato nos privamos da única escolha que conta aqui, que é a de desligar a TV. Para que? se temos tantas escolhas a fazer. A linda fantasia de que escolhemos alguma coisa. Realmente, cadê aquele "BASTA!"? cadê o porre de pinga? cadê o suco de hortelã com guaco? quer ser saudável? Hahahah, como se fosse o suco de crambery mais calórico que a vodka e então, vamos criar o watercrass vodka...Hahahaha... Há 150 mil anos estamos nessa porrinha de planeta e, depois disso tudo, ainda nos contentamos em escolher a marca do adoçante que vai em nosso drink e, quando a moda diz que o lance é usar listras, lá vamos nós, imbuídos de milênios de existência, escolher qual a cor da listra que vestiremos, tão nobres, tão dignos e satisfeitos de ter a capacidade e o poder de escolher.
Tamo fudido gata.
Feliz de te "ouvir" e saudade, sempre.
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