Dado o fato que eu trabalho na indústria da moda eu as vezes tenho crises de que sou prisoneira de um mundo muito fútil. Um circulo vicioso, o carrossel do vácuo. Aí me lembro que a moda, o ato do vestir é antes de tudo uma linguagem. Linguagem que nós (particularmente nós mulheres) usamos nas nossas batalhas por poder contra homens, contra outras mulheres. Ou mesmo para quem não está necessáriamte levantando tal campanha de guerra, todas nós usamos a máscara das roupas para definirmos quem somos e em certos momentos para libertarmo-nos do que não somos. E em meio a este debate mental que me permite trabalhar em tal indústria sem perder minha alma, eu olho as mensagens que os pedestres mandam com suas vestimentas inventivas. E as vezes, no conglomerado urbano e na falta de espaço, eu acabo involuntáriamente, indo além da observação. Aconteceu esta semana mesma.
Toda quarta feira eu tenho análise do outro lado da cidade, vou de metrô, faço duas baldeações. Uma delas na pior estação possível, a Praça da Sé daqui, a Times Square. Esta semana resolvi me rebelar e ir de ônibus, é mais devagar mas pelo menos é mais agradável. Na pressa de descer do ônibus eu acabei pisando na saia de uma senhora que descia os degraus antes de mim. E ela não pecebeu. E continuou descendo. E eu não percebi. E um som longo e inconfundível se seguiu. E nós duas percebemos.
Ali na calçada, ela segurando a ponta da saia rasgada. Eu já dois passos a frente, tentando fingir que não tinha sido eu. Ela alí gritando, “Você rasgou minha saia! Eu estou pelada! Você vai ter que me pagar por isto”. E por um instante eu reconheço que estava passando pela minha cabeça dar uma de new yorker, xingar a mulher, culpá-la por não ter descido os degraus de forma mais cuidadosa, soltar uns fucks aqui, outros lá e sair andando. O que ela iria fazer? Mas aí eu olhei bem para ela e vi esta senhora, segurando sua saia como quem segura o que restou de dignidade. Vi a raiva dela e vi que ela estava esperando e quase aceitando que eu fosse cumprir o papel de canalha e deixa-la alí, “Pelada! Pelada!”. E vi que debaixo daquele chapéu imenso, dos óculos escuros, da maquiagem, eu vi de onde ela estava vindo, e como os nossos lugares de origem eram economicamente muito diferentes. E me deu um aperto no coração e tudo bem que ela continuava a gritar comigo, “Pelada! Estou pelada!”, e eu sucumbi.
Eu disse, “Calma. Calma. Tá tudo bem, eu vou te dar o dinheiro, ok? A senhora não está pelada, tem o forro. Eu vou te dar o que eu tiver, está bem assim?”
E para o choque de todos meus amigos daqui, lá se foram sessenta dólares. Tudo que eu tinha. Literalmente. Até o fim do mês pelo menos. A dona se acalmou, parou de gritar, falando baixinho, “Ai meu Deus... pelada”, e disse, “Ok, olha, não é tão ruim quanto você acha, eu vou arrumar um pouco aqui atrás tá certo? Até você chegar na costureira sem mostrar o forro” E foi assim que eu me vi as 8 horas da manhã de uma quarta feira, ali no meio da calçada de uma rua movimentada, dançando esta estranha dança com uma desconhecida, dando nós e apertando-lhe trapos. Resgatando parte da armadura dela e quem sabe tentando deixá-la menos vulnerável para a próxima batalha urbana.
Saturday, May 26, 2007
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9 comments:
O que acontece conosco quando essa armadura é interferida por algo externo? Essa mulher, não fosse uma senhora, tería uma flexibilidade maior a um evento como esse, como ter menos pití? Duvido muito! O mais bonito da sua ação não me surpreendeu pelo dinheiro que deu mas pela tentativa de resgatar parte da armadura dela "dando nós e apertando-lhe trapos", como você mesma disse.
Beijocas,
Mari.
Que legal Camis, foram bem investidos $60 dolares. Veja bem, tem gente que é paga para tirar a roupa. Tem gente que é paga para colocar roupa. E ok, se $60 era a dignidade dela, tá barato né? Acho que é uma boa resistir a ser new yorker, porque o mundo é bem grande, e uma vez que a gente doa o coração, não dá para pedir de volta! Bom blog!
"Said the hero in the story: it is mighthier than swords, I could kill you sure, but I could only make you cry with these words."
Mari,
Nossa armadura as vezes é o quqe nos machuca, as vezes quando furamos a carcaça, entra luz e entra ar. Adorei seu blog!
Clá e Ti (aka lightbringer)
O mundo é mesmo grande, e agente tem braços e pernas longas para podermos abraçar-nos e abraçar o mundo. Entre a espada e as palavras, vencem as palavras, por enquanto...
Camila,
Eu sou Consuelo, uma amíga e admiradora de seu pai. Jorge Hori. Com certeza a genética é fiél. Você escreve muuuuito. Parabéns! Eu havia lido alguns escritos seus no blog de seu pai. E ele me falou do seu blog, cá estou eu , serei uma leitora assídua sua com certeza, até coloquei seu blog como indicação para leitura no meu orkut. Bjs
Caki,
tem homenagem prá vc lá no diário da lulu! falei sobre os blogs das minhas amigas, vai lá ver!
Lu
Eu mato essa Lulu, só me dando vício.;0)
Adorei.
Caki, eu tenho um desenho que chama "cangaceiro brincando de radiador" que é uma vestimenta de quem vai em rave esquentar de êstase e esfriar com água... as roupas são de frio e calor, as pessoas vão preparadas para a guerra física da noite, cada um contra sí proprio no embate do prazer e da dor. Tem a ver com a armadura.
beijos,
Lu
eXtase
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